Voa, voa, oh meu pobre coração,
vai nas asas do teu branco peito,
como no do corvo, nosso irmão.
Chora porque o Nene não alcanças,
das suas águas não lhe vês o leito;
mas vai voando com esperanças.
Um dia nas suas pedras pousarás;
e ali doce e tranquilo ar respirarás,
numa bem calma e tépida ternura.
Voando, meu coração, meu corvo,
vai; não te importes com o estorvo.
Vai: é lá que a Água da Vida é pura!
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josé (Kahango) frade
No Lubango, os meninos
vão à escola, pequeninos,
têm vontade de aprender.
Cadeirinhas eles carregam
p'ra que sentados escrevam
o seu Futuro no Saber.
esta é a hora brumosa
em que o tempo suspenso
demora um pouco à espera
que ao longe a onça apareça...
esta é a hora de espera
em que sombras cinzentas
vão se movendo lentas
vão se fugindo e apagando...
esta é a hora fugaz
tão passageira e veloz
como lento pode ser o tempo...
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josé (Kahango) frade
Pelo deserto seguíamos, há já muito,
para trás cruzáramos o Munhino
e as grandes rochas à beira do caminho.
Pedras, muitas pedras, a que há séculos
os colonizadores indagaram seus mistérios,
que antes lhes veneraram os mucubais os segredos.
Descendo agora a íngreme encosta,
ao longe abaixo distinguimos já um verde vale,
deslumbre espantoso na rude paisagem -
o oásis do Giraúl !
De súbito terminava a secura, com um lago de nenúfares,
verdejantes milheirais e frescura acolhedora!
À beira da estrada, logo nos vinham vender maçarocas fumegantes...
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josé (Kahango) frade
É tempo de cacimbo,
meus lábios estão secos,
e nas ruas do Lubango
se vende fruta madura.
mamão, maracujá,
banana de Benguela,
laranjas da Huíla, abacates,
maçãs da Humpata,
morangos da Palanca,
manguinhas do padre Carlos...
"- Leva só, tio, é a duzentos!..."
gindungo, ginguba...
Os jacarandás já estão floridos.
Envoltos nos panos,
calmos e embalados
na cacunda das mães,
os meninos sabem
que nas ruas do Lubango
a sua esperança nunca será vendida.
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josé (Kahango) frade